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  • Foto do escritorDanilo de Albuquerque

Lavagem de dinheiro: omissão do oficial de compliance e critérios de imputação

Atualizado: 12 de nov. de 2022



Não há que falar em crime sem conduta (controlada pela vontade), seja ela comissiva ou omissiva. É o que chamamos de direito penal do fato. Isso porque não se pune a condição, preferência, aparência ou modo de vida de alguém (direito penal do autor), mormente num Estado Democrático de Direito.


Os brocardos latinos cogitationis poenam nemo patitur ou nullum crimen sine actione já anunciavam essa ideia, ou seja, pensamentos e cogitações, não consubstanciados numa conduta humana, seja ela omissiva ou comissiva, nunca serão penalmente relevantes.


Luiz Regis Prado pontua:


"(...) nenhuma lesão, por mais grave que seja, pode ser considerada penalmente relevante se não for resultado de uma conduta. A sua exteriorização vem a ser condição necessária à lesão produzida pelo resultado, como fato real externo.”[1]


Assim, entendemos que a omissão penalmente relevante é também praticada mediante uma ação negativa. Trata-se de abstenção determinada pela vontade.


No entanto, definir o conceito de ação, de forma a justificar tanto a omissão quanto a ação propriamente dita, é tarefa impossível, pois são ontologicamente distintas.


Assim, “ação e omissão constituem realidades diversas, irredutíveis e incompatíveis na esfera ontológica”, sendo que, (…) “as valorações do Direito devem estar condicionadas e encontrar seu limite nas estruturas lógico-objetivas, isto é, nas propriedades ontológicas do substrato submetido à regulação jurídica”.[2]


Estruturalmente, contudo, há uma semelhança nas estruturas da ação e omissão: o domínio sobre a conduta.


Um simples não fazer ganha relevância penal quando há domínio final do fato sobre a ação. Assim, a ação propriamente dita e a omissão somente serão relevantes para a norma penal quando forem passíveis de controle pela vontade humana determinada a um fim.


1 Teorias da ação


1.1 Teoria causal-naturalística


Para esta doutrina, cujos precursores foram Liszt e Beling, ação é o movimento corporal voluntário que causa uma modificação no mundo exterior. A manifestação da vontade é toda conduta voluntária – ação ou omissão – resultante de um movimento do corpo.[3]


Podemos notar que, para a doutrina causal-naturalística, pouco importa a finalidade daquele que pratica a ação, bastando, para que assim se configure, somente uma manifestação interna de vontade (plano interno-subjetivo) de movimento que se concretiza no mundo exterior (plano externo-objetivo). A omissão seria o não fazer relacionado à distensão dos músculos.


Assim, a motivação da ação (injusto típico) deve ser analisada na culpabilidade, elemento que demonstra o liame subjetivo entre a ação e a determinação do agente.


Como decorrência dessa estrutura, surge o conceito causal ou clássico de delito: a lesão (ou perigo de lesão) de um bem jurídico, provocada por uma conduta (desvalor do resultado).[4]


1.2 Teoria causal-valorativa


Os maiores representantes dessa teoria são E. Metzger e W. Sauer, que terminam na antijuridicidade como elemento integrante da tipicidade, ou seja, a conduta como sendo tipicamente antijurídica; as características subjetivas, a cargo da culpabilidade.


A ação vem a ser uma causalidade juridicamente relevante, uma atuação destinada a um resultado (socialmente útil ou danoso). Delito é um comportamento antijurídico e culpável.[5]



1.3 Teoria social


Teoria baseada nas conclusões de Schmidt, define conduta como um fenômeno social. Conduta é o comportamento humano socialmente relevante.


Quando a relação entre indivíduo e meio social é alterada pela conduta, chamando para si um juízo de valor, há relevância da ação.


A teoria social da ação reúne dados característicos da orientação causal e finalista, não apresentando uma estrutura sistemática própria do delito.[6]



1.4 Teoria finalista da ação


Aqui se tem um marco evolutivo na teoria da ação.


Desenvolvida por Hans Welzel, resume-se assim: se o homem é o destinatário das normas penais, não se deve considerá-lo de outra forma senão humana, ou seja, a conduta jamais deverá dissociar-se da finalidade de quem a pratica. Assim, “todo mandamento que pretenda obrigar um homem como norma jurídica tem que reconhecê-lo como pessoa”.[7]


O finalismo trata a vontade humana como exteriorização da conduta, ou a ação dirigida pela vontade, inseparável da autonomia do ser humano, pois este é capaz de causar modificações no ambiente exterior a partir de elementos volitivos que lhe são intrínsecos. Portanto, aquele que pretende danificar um veículo tem à sua disposição uma série de mecanismos, baseados em sua experiência com as leis da física. Escolhido o meio, parte-se em busca do resultado.


Contrapondo a teoria finalista à causalista, Luiz Regis Prado:


“A teoria finalista não vislumbra a ação como mero processo causal equiparado aos processos da natureza. Ela se diferencia destes últimos por algo que lhe é próprio e único, a saber, a capacidade de atuar conforme fins estabelecidos de modo racional.”[8]


Na mesma crítica, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:


“Uma vontade sem conteúdo não é vontade, porque isto é inimaginável. A distorcida ideia de uma vontade sem finalidade só pode ser filha de uma posição idealista, porque, sob o ângulo do realismo é absurda (…) para uma análise do delito que toma como base o realismo, a vontade implica finalidade, de tal forma que a expressão “vontade final” resulta tautológica.”[9]


Ainda, Santiago Mir Puig:


“La más importante conclusión que WELZEL deduce de la asignación del derecho penal del "orden del pensar" es el carácter final de la acción. La dogmática jurídico-penal se ocupa de la misma acción humana que las ciencias naturales, pero se interesa por un aspecto distinto de ella: mientras que a las ciencias naturales importa la acción humana como fenómeno sujeto a las leyes causales (como hecho "natural"), la ciencia jurídico-penal.aborda la acción en su especificidad espiritual, esto es, como definida por la idea de finalidad conforme a sentido, por la "conciencia de sentido"[10]


A fim de estruturar a sucessão subjetiva e objetiva da conduta humana direcionada a uma finalidade, vale expor organizadamente as etapas em: (1) subjetiva (ocorre na esfera intelectiva ou do pensamento): (a) antecipação do fim que o agente quer realizar (objetivo pretendido); (b) seleção dos meios apropriados para a consecução do fim (meios de execução); (c) a consideração dos efeitos concomitantes, relacionados à utilização dos meios e o propósito a ser alcançado (consequências da relação meio/fim); (2) objetiva (ocorre na realidade ou na experiência): execução da ação real ou material.[11]


A partir do finalismo, dolo e culpa consideraram-se elementos do fato típico, não mais integrando a culpabilidade.


2 Crimes omissivos impróprios


A lei penal se ocupa somente das condutas humanas. Embora haja crimes de mera atividade (aqueles que independem de um resultado concreto), algumas figuras típicas, ao tutelarem determinados bens jurídicos, preveem a necessidade de ocorrência de resultado.


Analisando a cadeia causal dos crimes de resultado, temos que esta inicia-se, como anteriormente salientado, a partir de uma conduta humana dirigida a um fim (teoria finalista). Assim se constrói o curso causal até que venha o resultado.


Quando o curso causal for interrompido por ação humana, a omissão passa a ter relevância para o Direito Penal.


Não há se falar em omissão, caso não se verifiquem a capacidade física de agir, a possibilidade de direção final da ação e o conhecimento da situação típica e das formas e meios empregados.[12]


A norma estipula que determinadas pessoas devem agir no intuito de interromper a cadeia causal do delito, evitando assim o resultado típico. Quando aquele que tem o dever de impedir o resultado se omite, deixando que o curso causal sobrevenha, a norma penal incriminadora trata de equiparar sua omissão a uma ação causadora de resultado típico.


O Código Penal brasileiro estabelece, no §2º do artigo 13, que:


“A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:


a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;


b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;


c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.”


Trata-se do instituto da omissão imprópia.


“No que tange à origem dessa construção dogmática há certa divergência. Para alguns, a posição/obrigação de garantidor, como fundamento da responsabilidade penal, não está propriamente nas obras de Stübel ou Luden, mas sim remonta ela às obras de Krug, Glaser e Merkel, enfeixadas sob a denominação de teoria da ingerência, que, a partir de um processo de desformalização (teoria do dever jurídico) contribuem para o nascimento das modernas teorias da posição de garantidor.”[13]


O legislador, ao editar a norma, atribuiu responsabilidade penal àqueles que, tendo um dever de garantia, omitem-se, dando causa, em razão da omissão, a um resultado que teriam a obrigação de evitar.


Nota-se, portanto, que a omissão é comissiva, por isso o instituto também é conhecido como crime comissivo por omissão.


Vejamos Guilherme de Souza Nucci:


“A omissão que não é típica, vale dizer, quando o não fazer deixa de constar expressamente num tipo penal, somente se torna relevante para o direito penal caso o agente tenha o dever de agir. Do contrário, não se lhe pode exigir qualquer conduta. Ex.: qualquer do povo que acompanhe a ocorrência de uma agressão pode agir para impedir o resultado. A situação é diferente se a pessoa que acompanha a agressão, não agindo de propósito, era o guarda-costa da vítima, contratado para protegê-la. Responderá como partícipe da lesão.”[14]


E Luiz Regis Prado:


(…) “consiste em dar lugar por omissão a um resultado típico, não evitado por quem podia e devia fazê-lo, ou seja, por aquele que, na situação concreta, tinha a capacidade de ação e o dever jurídico de agir para obstar a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado (situação típica). O não impedimento do resultado lesivo pela ação devida omitida. Implícito na norma está uma ordem ou mandamento de realizar a ação impeditiva do evento, imputando-o ao omitente que não o evitou, podendo evitá-lo.”[15]


No entanto, o legislador absteve-se de diferenciar, quanto aos reflexos da reprovabilidade (pela sanção), ação de omissão, ficando a cargo da doutrina e do direito comparado mensurar a censura de um em relação ao outro.


Verificamos que, em Portugal, o Código Penal, em seu artigo 10, estabelece: “1. Quando um tipo legal de crime compreender certo resultado, o fato abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. 2. A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. 3. No caso previsto no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada.


3 Elementos comuns aos delitos omissivos próprios e impróprios


3.1 Situação de perigo para o bem jurídico


O que gera o poder de agir é a situação de perigo do bem jurídico, explícita nos tipos omissivos próprios e implícita no resultado descrito no tipo omissivo impróprio.


Juarez Cirino dos Santos, ao lecionar sobre o tema, esclarece que (p. 210) “deixar de prestar assistência (…) à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou ao grave e iminente perigo” é exemplo da característica dos tipos de omissão própria que explicitam no tipo a situação de perigo; enquanto nos de omissão de ação mandada, como diz o autor, encontra-se o resultado de lesão, que se alcança mediante a referida omissão ou ação, a exemplo: matar alguém. Assim, o resultado morte poderá ser alcançado tanto por uma ação como por uma omissão de ação imposta, qual seja, evitar a morte.


3.2 Poder concreto de agir


A legislação brasileira estipula esse requisito, do art. 13, §2º, do Código Penal, ao estabelecer que a “omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.


Juarez Cirino dos Santos leciona:


“O poder concreto de agir exprime a capacidade de realizar a ação mandada, definida pela natureza da ação e condições pessoais do autor: a) a ação mandada (esperada ou necessária) é determinada pelas circunstâncias objetivas da situação de perigo (…) b) a realização da ação mandada deve ser pessoalmente possível, excluída em hipóteses de impossibilidade objetiva (…) e de incapacidade individual relacionada à força física, ao conhecimento técnico e ao potencial intelectual do autor” (...)[16]


3.3 Omissão da ação mandada


Quando houver o dever jurídico de agir, a omissão daquele que, plenamente capaz de praticar o ato de salvaguarda, deixa desprotegido o bem juridicamente tutelado, ganha relevância penal.


Sobre o tema, Juarez Cirino dos Santos:


“A realização da ação mandada significa o cumprimento do dever jurídico de agir e, consequentemente, a não-realização da ação de proteção do bem jurídico em situação de perigo, por um autor concretamente capaz de agir, significa o descumprimento do dever jurídico de agir, que define a omissão de ação, em geral.”[17]


4 Elementos específicos dos crimes de omissão imprópria


4.1 Resultado típico


Ficam excluídos, nesse caso, os crimes de omissão imprópria e os de mera atividade, de perigo concreto e de perigo abstrato. Atenhamo-nos apenas aos crimes de resultado.


A omissão somente será punível quando sobrevier resultado que, mediante ação do garantidor, seria evitado.


No entanto, quando foge a visualização de uma abstenção como elemento da cadeia causal, sob o ponto de vista lógico-cognitivo, surge o problema.


Juarez Cirino dos Santos resolve a questão pela causalidade hipotética:


“A relação de causalidade entre resultado e omissão da ação mandada é uma das questões problemáticas da omissão de ação imprópria, porque a ausência de causalidade real na omissão de ação (“ex nihilo nihil fit”) - somente existe causalidade real na execução de ação mandada – é suprida por uma causalidade hipotética – se a realização da ação mandada teria evitado o resultado com probabilidade próxima da certeza, então o resultado é atribuível ao autor”(...)[18]


4.2 Posição de garantido


A figura do garantidor está prevista no art. 13, §2º, alíneas a, b e c do Código Penal brasileiro.


Embora a lei defina quem seja o garantidor, não haverá de se imputar o resultado ao omitente que não se assemelhar ao agente no que tange à prescindibilidade da conduta para se alcançar o resultado.


Em outras palavras, a omissão deverá ter relevância causal tanto quanto o ato comissivo previsto no tipo.


Incumbe a garantia, segundo a lei penal brasileira, a quem:


a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: estão qualificados aqui aqueles que têm relação familiar, por exemplo, ascendentes e descendentes, cônjuges e colaterais. Mas não está obrigado o garantidor à proteção de atos do protegido, plenamente capaz, contra terceiros.


Em relação às obrigações legais, segue a lição de Juarez Cirino dos Santos:


“Entretanto, é necessário esclarecer dois pontos: primeiro, a exigência de lei como fonte de obrigação de cuidado, proteção ou vigilância significa lei formal, como ato do Poder Legislativo de disciplina da vida civil, tributária etc., com exclusão de atos normativos inferiores (decretos, regulamentos, resoluções, instruções, etc.); segundo, a lei formal exigida deve ser de natureza penal, porque somente leis penais formais podem definir a punibilidade da omissão de ação atribuível ao garantidor.”[19]


b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado: qualifica como garantidor aquele que, mediante contrato ou aceite voluntário, assume o dever de proteção. Os fundamentos para a atribuição do dever de garantia a pessoas que detêm essa condição consistem no incremento do risco ao qual se submete o protegido em razão de um sentimento de confiança que surge na figura do garantidor. A título de exemplo, o salva-vidas em relação aos banhistas.


c) com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado: quem cria o risco deve administrá-lo, não devendo se omitir diante do perigo de lesão a terceiros. É o caso do motorista que conduz o veículo de forma imprudente em alta velocidade, expondo a vida de outras pessoas. Porém, o risco ao qual nos referimos deve ser potencialmente lesivo, razoavelmente capaz de produzir o resultado. É o chamado risco proibido.


Quando tratamos de situações de risco, vale frisar que a dinâmica social naturalmente gera riscos. No entanto, a grande maioria dos riscos são socialmente aceitos. Por exemplo: ao sairmos de casa, estamos sujeitos a causar um acidente de trânsito, às vezes inevitável. É o que chamamos de risco permitido, não devendo a norma penal incumbir-se de regular o fato.


5 Omissão imprópria do compliance officer


Agora tratemos da responsabilidade criminal do agente financeiro que, de certa forma, contribui com os atos do lavador, reinserindo capital de origem espúria na economia.


Embora a construção dogmática da participação do agente financeiro no crime de lavagem não tenha prosperado, visto que a doutrina tratou de demonstrar a não existência do vínculo subjetivo entre ele e o lavador, além de valer-se dos critérios de imputação objetiva e adequação social a fim de promover a limitação da responsabilidade penal do compliance officer, resta a responsabilização pela omissão diante da obrigação de informar movimentações suspeitas às unidades de inteligência financeira. Assim, surge um tema que, devido à sua novidade, carece de soluções.


O oficial de compliance (responsável pelo controle de riscos e prevenção à lavagem de capitais no âmbito da empresa) responderia pelo crime de lavagem caso se omitisse dolosamente em relação ao dever de informar atividades suspeitas aos órgãos estatais de inteligência financeira?


Temerário seria, neste momento, concluir sobre a questão, pois, como salientado, não há bibliografia suficiente para esgotar o tema, no entanto, suscitar o problema parece-nos de grande valia, até para despertar atenção acadêmica.


Podemos verificar que a intenção do legislador ao atribuir relevância penal à omissão daquele que tem o dever de evitar o resultado não se estenderia ao compliance officer que se omite em relação à sua obrigação de informar aos órgãos competentes sobre operações suspeitas. Senão vejamos:


O dever deste profissional não é o de evitar o resultado da lavagem de capitais, mas tão somente informar às autoridades financeiras sobre movimentações suspeitas, mesmo porque ser suspeito não significa necessariamente ser ilícito.


Ademais, o compliance officer, embora os programas de prevenção exijam que as instituições financeiras conheçam seu cliente e a proveniência de seu capital, não conhece efetivamente a origem dos recursos.


Obviamente, no decurso da lavagem de capitais, a informação sobre uma operação suspeita aumentaria a possibilidade de evitar a consumação do delito, no entanto, a rígida estrutura dos crimes omissivos impróprios não permitiria tal extensão de raciocínio. A responsabilidade do agente estaria adstrita à sua conduta, e o ato praticado pelo compliance officer que deixa de prestar informações ainda não pode, sobremaneira, ser comparado ao ato comissivo do agente que insere capital proveniente de infração penal no sistema financeiro com o fim de ocultar sua origem ilícita.


Assim sendo, “a norma estabelece a obrigação de contribuir com as autoridades de investigação – sistematizando informações e informando atividades suspeitas – e não o dever de impedir práticas de lavagem.”[20]


Temos, pois, que o compliance officer não é garantidor do bem jurídico tutelado pela Lei de Lavagem.


Diferente seria o caso em que um policial, ao presenciar ato de ocultação ou dissimulação dos proveitos de infração penal, omite-se dolosamente a fim de que o autor do delito não seja punido. Este agente, diferentemente do compliance officer, tem a obrigação de evitar a consumação do delito, portanto, responderia ele como autor da lavagem por omissão imprópria.


Além do mais, a conduta de não cumprir com as obrigações impostas pela Lei de Lavagem já encontra as respectivas sanções, de caráter administrativo, em seu capítulo VIII.


No mesmo sentido, os registros de André Luís Callegari e Ariel Barazzetti Weber:


“A questão aqui é saber se o funcionário do banco ou agente financeiro é garantidor do bem jurídico tutelado pela lei de lavagem. Se a resposta for afirmativa, evidentemente que ele será autor do delito de lavagem de dinheiro, pois, dentre as suas funções, lhe incumbia evitar transferências de fundos que possuíssem origem delitiva. A lei não abarca esta hipótese, salvo a responsabilidade administrativa. Ademais, para nós, a responsabilidade se dá através de âmbitos de competência e, neste caso, não compete ao agente financeiro a averiguação prévia, ao menos na esfera criminal, da origem lícita dos bens.”[21]


CONCLUSÃO


O termo lavagem de dinheiro surgiu nos Estados Unidos (money laundering), por volta de 1920, quando a máfia italiana passou a utilizar lavanderias para justificar a entrada de dinheiro do contrabando de bebidas.


O delito de lavagem de capitais foi criminalizado no Brasil em 1998, por meio da Lei 9.613, tida, à época, como legislação de segunda geração, assim como na Espanha, Alemanha e Portugal.


Também pela mesma lei foi criado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) – unidade de inteligência financeira incumbida de receber e analisar as comunicações de atividades suspeitas, aplicar sanções administrativas e propor mecanismos de troca de informações visando à prevenção de lavagem no Brasil (hoje chamada de UIF).


A Lei 12.683 de 2012 promoveu alterações na Lei 9.613/98, sendo que a principal delas foi extinguir o rol taxativo dos crimes antecedentes e aumentar a lista de agentes econômicos obrigados a adotar políticas de prevenção. A partir de sua vigência, a conduta de ocultar ou dissimular a origem, natureza, disposição, localização, movimentação de bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de qualquer infração penal (inclusive contravenções), passou a ser punida com reclusão, de três a dez anos, e multa.


Entre as obrigações impostas aos agentes econômicos está a de informar aos órgãos de inteligência financeira sobre atividades suspeitas, para que assim as autoridades responsáveis possam lograr êxito em futuras investigações e persecuções penais.


Influenciadas pelo setor bancário norte-americano, as instituições, principalmente do ramo financeiro, passaram a adotar políticas de controle interno e gestão de riscos no intuito de estarem ajustadas às determinações impostas por políticas estatais de prevenção à lavagem de dinheiro. Criaram-se, assim, os departamentos de compliance.


Está em compliance aquele que adequa o corpo funcional da empresa a padrões de conduta emanados de normas internas e externas, entre elas, os deveres de informar sobre ocorrência de operações suspeitas ao COAF ou ao órgão regulador e fiscalizador da atividade, caso exista.


As movimentações serão suspeitas quando, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamentação econômica ou legal, apresentem indícios da ocorrência de lavagem.


A responsabilidade da alta diretoria da empresa em informar operações suspeitas às autoridades competentes é deslocada para o setor de compliance, sob a supervisão do chief compliance officer, quando do momento de sua criação.


Assim, surge a indagação sobre a posição de garante do compliance officer. Estaria este profissional obrigado a informar as autoridades sobre a ocorrência de operações suspeitas sob pena de ser ele responsabilizado pelo crime de lavagem na modalidade omissiva imprópria?


A estrutura típica dos delitos omissivos impróprios só se perfaz diante de uma omissão equiparada a um ato comissivo dentro do desdobramento causal, desde que o omitente tenha o dever de impedir o resultado lesivo. Se a omissão não é capaz de contribuir com o resultado da mesma forma que a conduta prevista no tipo, deixa de ter relevância penal.


O dever de agir ao qual fazemos referência incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.


Assim, sustentamos que o compliance officer não é garantidor, precipuamente pela natureza de sua obrigação.


Incumbe a esse profissional tão somente informar às autoridades financeiras movimentações suspeitas, e não atuar na proteção de um bem jurídico, tampouco impedir que a lavagem venha a se concretizar.


No entanto, a conduta omissiva do compliance officer não é isenta de responsabilidade, porquanto o capítulo VIII da lei 9.613/98 prevê as sanções administrativas àqueles que descumprirem o disposto pela lei.



_____________________________________




[1] PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 85.


[2] GRACIA MATÍN, L. La comisión por omisión em el Derecho Penal español. In: PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 87.


[3] Cf. PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 89.


[4] Idem, p. 90.


[5] Idem, p. 91.


[6] Idem, p. 92.


[7] Cf. GRACIA MARTÍN, L. O horizonte do finalismo e o Direito Penal do inimigo, p. 40. In : PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 96.


[8] PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 97.


[9] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro : vol. 1 : parte geral – 9º ed. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 363.


[10] PUIG, Santiago Mir. Introducción a las bases del derecho penal. Buenos Aires: Julio César Faira Editor, 2003, p. 232. Tradução livre: A mais importante conclusão que WELZEL deduz da atribuição do direito penal como “ordem do pensar” é o caráter final da ação. A dogmática jurídico-penal se ocupa da mesma ação humana que as ciências naturais, mas se interessa por um aspecto distinto dela: enquanto que às ciências naturais importa a ação humana como fenômeno sujeito às leis causais (como feito “natural”), a ciência jurídico-penal aborda a ação em sua especificidade espiritual, isto é, como definida pela ideia sentir de acordo com a finalidade, pela “consciência de sentido”.


[11] Cf. WELZEL, H. Derecho Penal alemán, p. 54-55; CEREZO MIR, J., op. Cit., p. 266; TAVARES, J., op. Cit., p. 59. In : PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 98.


[12] Cf. PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 87.


[13] Cf. GÓMEZ-ALLER, J. D., op. Cit., p. 841-846. In : PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 148.


[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011, p. 227


[15] PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro : parte geral : volume 2, teoria jurídica do delito – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 147.


[16] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral – 3ª ed. - Curitiba : ICPC ; Lumen Juris, 2008, p. 211.


[17] Idem, p. 212.


[18] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral – 3ª ed. - Curitiba : ICPC ; Lumen Juris, 2008, p. 211.


[19] Idem, p. 215.


[20] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 145.


[21] CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014, p. 103.

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