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  • Foto do escritorDanilo de Albuquerque

Minhas impressões sobre Genealogia da Moral, de Nietzsche



Li Genealogia da Moral e enfrentei um dos maiores infernos da minha vida, chegando ao absurdo de me perguntar se um genocídio era mau, ou se dar comida a uma criança faminta era bom. Se tudo é perspectiva, se o mundo é um jogo de forças caóticas, exercendo sua vontade de potência e dominação umas sobre as outras, se o Bem e o Mal não têm valores absolutos, se a moral não passa de uma construção humana, então qual seria o nosso referencial? Nietzsche propõe que seja a própria vida, e não o transcendental, que ele chamaria de ideais ascéticos.

E o que é a vida, para Nietzsche? Um movimento constante, desordenado, em que não existem dualismos. Parece-me que sua proposta seja no sentido de que a lógica binária também se afigure como construção humana. A dominação pela força, por exemplo, é prazerosa para quem domina, mas penosa para o dominado. Para Nietzche não existe o “julgar de fora”, porque o “fora” não existe. O juízo sempre levará em conta os interesses do próprio julgador.

Nesse ponto, parece-me que o único sentido em viver seria a busca pela satisfação dos desejos. Ocorre que os desejos são ilimitados, e quando você coloca vários indivíduos com desejos ilimitados para conviver, bem, isso pode ser desastroso. Mas desastroso para quem, já que não existem valores absolutos? Aliás, essa pergunta (para quem?) é fundamental em Nietzsche. Pelo que pude entender, seria desastroso para os fracos, porque não teriam eles condições de se contrapor aos fortes. Daí surgiria, para os fracos, a necessidade de agrupamento, de viver por uma causa comum, qual seja derrubar o mais forte, e toda a política se fundamentaria nessa ideia cíclica, uma eterna dança das cadeiras. O Estado totalitário seria autor da moral ativa? A democracia seria uma reação?

Para Nietzsche, a civilização ocidental se firmou a partir de uma ditadura moral dos fracos (platonismo e cristianismo), que, vencidos pelos fortes, ressentiram-se, formando grupos a fim de inverter essa ordem, até que todos os indivíduos, pela insistência, internalizassem os valores cristãos (prudência, caridade, amor ao próximo, ascetismo, etc.) como verdades absolutas.

Nesse sentido, o próprio Estado Democrático de Direito seria uma criação dos fracos. A quem poderiam interessar as leis? A quem poderia interessar a limitação do mais forte? Mas, por essa lógica, todo Estado não seria arbitrário? Bem, me parece que conjugar os desejos ilimitados do indivíduo e a necessidade de agrupamento seja um problema difícil de resolver. Em alguma medida é preciso abrir mão da vontade individual, e essa decisão não teria muito a ver com altruísmo, mas sim com a necessidade de segurança, a fim de preservar a própria vida. É isso. Formar clubinhos parece uma boa estratégia para se manter vivo, o que no final acaba sendo um egoísmo.

O forte é aquele que se expande; o fraco, aquele que se vê obrigado a suportar uma diminuição causada pelo primeiro.

Acho que o maior problema desse relativismo seja definir qual a melhor moral, a dos fortes (ativa) ou a dos fracos (reativa), se, para Nietzsche, não existe um valor absoluto. Aliás, a própria diferenciação entre fraco e forte não parece estável, visto que os fracos, agrupados, tornam-se fortes.

A moral dos fortes é originária, ativa, porque o forte se coloca no mundo a partir dos seus desejos e define isso como bom, belo e verdadeiro. Tomemos o Gênesis como exemplo metafórico. Deus, a partir da própria vontade, onipotente, cria a matéria, o movimento, a Natureza e define, a partir de si, que isso é bom. Ele cria a moral, tendo a si mesmo como referência, a causa primária. Seria Lúcifer então um ressentido, um sacerdote que decidiu convencer o homem de que, para tirar Deus do poder, era necessário uma espécie de sindicato? Mas, se Deus criou tudo, inclusive Lúcifer, ou seja, se a existência de Lúcifer só foi possível a partir da vontade de Deus, como essa criatura pôde se rebelar? Os teólogos se dividem. Alguns dizem que essa rebelião surge do livre-arbítrio, outros dizem que, por algum mistério, Deus permitiu que isso acontecesse por um bom motivo, já que tudo o que vem de Deus é bom.

Acontece que, se a linguagem é a carne do pensamento, e mais, se a linguagem se constrói sobre uma lógica referencial (sintaxe), ou seja, se sem referências a linguagem é impossível, vai chegar uma hora em que a filosofia de Nietzsche andará em círculos. O cérebro humano não funciona sem referências. Aliás, nada funciona sem referências, porque tudo se relaciona. Me parece que, se não existirem referências, então o mundo se dissolve, a realidade se dissolve, e caímos no nada, no vazio absoluto, e o vazio absoluto não existe.

Nietzsche deve ter chegado a esse ponto, então percebeu que, precisando de uma referência, definiu-a como “a expansão da vida”. A expansão da vida é sempre boa, porque é originária, positiva (no sentido de estar posta) e não reativa. Negar a vida em nome de ideais ascéticos seria construir uma humanidade fraca e doente. Mas se a expansão da vida implica necessariamente a diminuição de outras vidas, como dizer que isso é bom? Ou melhor, como dizer que isso é originário? Então o bom não seria a expansão de qualquer vida, mas a vida do mais forte, não é isso? Mas se forte e fraco são conceitos indefinitos, instáveis, se o fraco de hoje é o forte de amanhã, qual a referência para definir algo como “expansão originária da vida”? Isso é o estado mais próximo do caos a que cheguei, e nessa hora encontrei o fundo do poço.

Mas, como solução, Nietzsche propõe o além-homem, que viveria com a ideia do Eterno Retorno, um aforismo da Gaia Ciência. É uma metáfora que funciona assim: “viva como se a sua existência, com todas as dores e alegrias, fosse se repetir cíclica e eternamente, e que nada além disso existiria”. Tudo bem. É uma metáfora, mas também parece um ideal ascético. Ou seja. O homem é um ser que precisa de referências, e já que é limitado (em relação a quê? Como intuímos a existência do ilimitado?), já que não pode conhecer tudo, vai precisar preencher suas lacunas com metáforas.

Agora, uma provocação: “viver como se a vida fosse se repetir idêntica e eternamente”, “viver como se existisse um deus revelado”, “viver como se existisse um deus não revelado”, “viver como se não existisse Deus”, “viver como se bem e mal fossem construções humanas”, “viver como se não houvesse nada além da matéria”, tudo isso me faz concluir que, inevitavelmente, sempre precisaremos viver “como se”, sempre precisaremos de referências, sejam elas quais forem, porque o homem não pode ter muitas certezas. Se Deus existe, há uma referência verdadeira (isso não implica que a conheçamos); se Deus não existe, o homem cria suas próprias referências. Se a existência sem referências é impossível, então essa condição está no DNA do Universo. Que nome você daria a essa condição? Para não enlouquecer, é bom se acostumar a isso. Ou então inventar uma história crível para justificar sua cegueira.

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